Compro Brasília ano 88
Longe de mim falar mal do mestre. Moro no edifício JK, um Oscar Niemeyer ano 68 e não me canso de admirar o quanto suas soluções são engenhosas e surpreendentes. Apesar da má execução do prédio (fruto dos percalços da obra) e da reforma atual, pouco criteriosa, ele resiste bem e não faz má figura. O conjunto da obra de Oscar é admirável e não restam dúvidas de que ele é hoje o mais importante arquiteto vivo, mundialmente. Ele é a arquitetura brasileira mesma, uma força da natureza.
Brasília por exemplo, quem a vê pela primeira vez se depara com algo que seria impossível imaginar se alguém lhe descrevesse ou mesmo por fotos. Lucio Costa e Oscar imaginaram e lá está ela. Ano 61, bom estado de conservação, pouco rodada, placa preta. Tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, assim como está. Imagino um oficial estrangeiro chegando a Brasília e sendo recebido no irretocável (fora os toldos na porta) Palácio do Itamaraty. Sendo levado até a Praça dos Três Poderes ainda meio sem entender o que está acontecendo. Admira pela janela do carro o tapetão verde bandeira que conduz a perspectiva da Esplanada dos Ministérios até o Congresso, lábaro da soberania nacional. Concebido por Lucio Costa como espaço livre e público, prescinde do obelisco proposto por Oscar para cobrir o estacionamento, este sim necessário, diga-se de passagem. Não o esqueçam, acredito que a verba do Arruda deve dar e tenho certeza que Oscar irá nos apresentar um estacionamento mais espantoso que o de Zaha Hadid. O Panteão da Pátria, junto aos três poderes, poderia muito bem abrigar o tal Memorial dos Presidentes, já que seu uso é mesmo meio indefinido.
Por outro lado, é triste constatar que o caimento suave encontrado por Oscar na curva da Oca não encontra par na recente e mais bombada cúpula do Museu Nacional, desproporcional ao lado da delicada Catedral. Diante da magnífica criação de Oscar para o MAC de Niterói, a péssima execução já denota talvez uma maior distância do arquiteto da execução da obra. Não apenas em seu caso, mas no de todos os arquitetos, tal distância costuma prejudicar bem o resultado final. Igualmente, se em todas as nossas gavetas residem projetos irrealizados, que dirá na de Oscar. Tais projetos, executados sem a devida atenção ou em local impróprio, podem gerar efeitos indesejáveis. Para executar um Oscar, precisamos de Oscar ali, sujando a mão de grafite e o pé com a poeira da obra.
Vejo hoje o Centro Administrativo de Minas subindo e penso ser um erro fazê-lo do modo como aconteceu. Creio que a devida democracia teria sido alcançada, com a antecedência que a construção civil requer, através da promoção de um concurso público de projetos sério. Concurso que escolheria, quiçá, um arquiteto jovem como Niemeyer era quando começou a trabalhar para JK, em Pampulha, onde tudo começou. Sinto perceber que enquanto tivermos os arquitetos “oficiais”, contratados por meio do vago conceito do notório saber e chamados sempre que algum de nossos governantes decide fazer uma obra “de última hora”, a arquitetura brasileira não conseguirá avançar muito mais.
Talvez devêssemos mesmo fazer um grande obelisco em Brasília, não naquele ponto e não tão contido, mas que possa ser visto do centro do nosso poder e lembre sempre aos que lá estão de que o povo está bem ali.
Artigo publicado no jornal Hoje em Dia em 8 de fevereiro de 2009
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