O futuro não é mais o que costumava ser*

Feira Mundial de Nova Iorque, 1853. Elisha Otis embarca numa plataforma que se eleva mecanicamente, o que parece ser o auge da apresentação de seu recente invento. No entanto, quando a plataforma alcança o ponto mais alto seu assistente lhe oferece, em uma almofada de veludo, um punhal. Otis empunha o instrumento e ataca o elemento principal da engenhoca: o cabo responsável por içar a plataforma e evitar sua queda. O cabo é decepado, mas nada acontece, a ele ou ao equipamento. Freios ocultos de segurança – essência de seu invento – evitam que a plataforma se espatife contra o solo.

O experimento que apresentou o elevador de segurança ao mundo, descrito por Rem Koolhaas em seu livro “Nova Iorque Delirante”, viria mudar a face de Manhattan e do mundo como se conhecia. Todavia, como mencionado pelo mesmo arquiteto holandês, na essência de todo avanço tecnológico reside o espectro de seu fracasso. Os meios de espantar tal fantasma são quase tão importantes quanto o invento em si. O 11 de setembro de 2001 talvez seja o melhor exemplo de que tal raciocínio faz algum sentido.

Com o advento do elevador, passamos a assistir algo até então impensável: o “milagre” da multiplicação do solo urbano. Uma estrutura vertical passa a abrigar dezenas de planos horizontais, todos do mesmo tamanho do pavimento original. A ilha de Manhattan, território finito por natureza, se torna o principal laboratório desta experiência e “arranha-céus” pipocam por todo o mundo. São tidos como solução definitiva para, de um lado, a escassez de área edificável no Velho Mundo e de outro, a precariedade dos meios de transporte no Novo Mundo. O empilhamento de usos traz consigo a promessa de reduzir os longos deslocamentos no dia-a-dia, melhorando a vida de milhões de pessoas e facilitando os negócios. Torna-se uma espécie de “fetiche” das metrópoles, que muitas vezes se verticalizam mesmo sem necessidade alguma.

Com o espantoso desenvolvimento da indústria automobilística, o enredo se modifica. A congestão dos centros urbanos e seu conseqüente esvaziamento, observado a partir de meados do último século, traz à baila uma outra realidade: a fuga para as periferias, ou o que poderíamos chamar carinhosamente de “retorno ao bucolismo campestre”. Fatigadas pelos centros urbanos, famílias procuram, nas franjas do perímetro urbano, locais mais tranqüilos onde residir. Paradoxalmente, este movimento traz de volta à vida das pessoas os penosos deslocamentos entre a moradia e o local de trabalho, desta vez, sozinhos em seus automóveis.

Uma oposição de forças centrífugas e centrípetas, em constante oscilação e colisão, talvez seja a melhor figura de linguagem para buscar entender o processo urbano em que hoje vivemos. Belo Horizonte parece repeti-lo em loop por diversas vezes. Paralelamente, dentre aqueles que buscam uma nova moradia, observamos uma limitação no mínimo curiosa: procuram, ou uma casa fora da cidade, ou um apartamento de bairro, como se não houvessem outras opções. Enquanto isso vemos edifícios vazios no centro, casas desvalorizadas nos bairros e novos edifícios sendo erguidos (no limite da legalidade) em bairros onde só deveriam haver casas.

Hoje, enquanto São Paulo dá à luz 500 bebês, 800 automóveis novos saem das garagens todos os dias. Belo Horizonte e muitas outras cidades vão pelo mesmo caminho. O poder público deveria melhor regular o uso do solo e oferecer melhor transporte coletivo? Deveria. O mercado poderia ser mais ousado e oferecer soluções alternativas? Poderia. Voltando a Koolhaas, este diz que “as pessoas podem habitar qualquer coisa, ser felizes em qualquer coisa ou miseráveis em qualquer coisa”. Se assim for, creio que antes de tudo cabe a cada um de nós ampliar seus horizontes e procurar consumir de forma mais inteligente, habitar as cidades de forma mais inteligente e criar meios de viver melhor. Um volta ao centro, a pé, não me parece má idéia.

* Menção à frase de Sir Arthur Clarke, autor da novela “The Sentinel”, que inspirou o filme 2001 – Uma Odisséia no Espaço, falecido no último mês.

Artigo publicado no jornal Hoje em Dia em 6 de abril de 2008

1 Comentário»

  Eduardo Buys wrote @

5 anos depois, ainda um texto super informativo e atual @edubuys


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