BH está aí para quem quiser ver

 

 

Se você, como eu, mora em Belo Horizonte por opção e não pela falta dela, deve também estar cansado de ouvir as velhas reclamações e ladainhas daqueles que sempre repetem que aqui não acontece nada, nãonada para se fazer, que não existe oferta de programação cultural, etc, etc. Uma vez, em viagem pela Europa, ouvi exatamente o mesmo discurso de uma dupla de jovens que moravam em Berlim (!!!). Meu avô, que era um sujeito muito cabeça-dura, mas de enorme lucidez, costumava dizer: “não adianta mudar de lugar, pois pouco tempo depois de estar, inevitavelmente você se depara com si mesmo”. O que ele queria dizer, creio eu, é que a rotina tende a criar (ou dar espaço) para insatisfações que não são fruto do meio, mas íntimas ou mesmo existenciais. Pergunte a estas mesmas pessoas se elas estiveram na última exposição no Museu da Pampulha ou no Palácio das Artes. Pergunte a elas se foram ao festival de Teatro ou à mostra de Cinema. Se foram à bienal de Graffiti, ao Kréu Krio, freqüentam a batalha de MC’s ou o quarteirão do Soul. Gostam de se mostrar indignadas, mas na verdade não estão mesmo interessadas. Mudam-se para São Paulo e continuam não comparecendo ao que lhes é oferecido. Ao menos assim não têm mais tempo de se lamentar, pois estão agora presas no trânsito ou sem ter quem os acompanhe. Nãotempo livre ou disposição para se encontrar com mais ninguém.

 

Oferta há, para quem quiser ver e para todos os gostos. Temos no calendário cultural da cidade vários shows, FITs, FIDs, INDIEs, e muito mais, num total de mais de 20 festivais somente na capital. E qual seria então a identidade cultural de Belo Horizonte? Como disse uma vez Marcelo Machado, “não existe aqui uma carência de identidade, ao contrário, tem-se um excesso delas”. Talvez resida um pouco da desarticulação das ações culturais na cidade. Fruto de tudo isto, vemos que BH muitas vezes não é capaz de manter aqui seu capital humano e cultural, o que a consolidaria definitivamente como uma cidade criativa, no conceito de Richard Florida. A partir do cacoete da insatisfação, muitos partem para outros Estados, principalmente o eixo RioSão Paulo. Carecemos construir, além da manifestação em si, a discussão, a convergência e a cooperação como um caminho a ser trilhado. Afinal, a existência de tal diversidade e multiplicidade cultural é por si uma forte identidade.

 

Não seria exagero dizer que temos aqui, a alguns quilômetros de BH, algo que pode ser tido como um dos mais importantes senão o maior conjunto de obras da arte contemporânea do mundo: Inhotim. A arte chamada contemporânea estabelece algumas condições que por um lado, atribuem a ela uma relevância que havia se desgastado na arte e por outro, a conduzem a um ponto mais distante do cotidiano das pessoas. Quem estaria disposto ou mesmo teria condições, por mais que compreenda e admire, de ter um Tunga ou um Cildo Meireles em sua casa? Se as artes visuais, nas suas evoluções e revoluções, ações e reações, alcançaram no período moderno uma grande amplitude de compreensão e aceitação social, a arte contemporânea se coloca de maneira distinta. A arte dita moderna encontrava como reação do público a suas expressões, muitas vezes o clichê do “meu sobrinho faz igual”. a arte contemporânea, declaradamente desinteressada do público, suscita nele uma incompreensão mais radical, do tipo: “Que diabos é isto?!?”. Nesse contexto, o interessado por arte tende a se sentir excluído, não pertencente ao contexto que gerou aquela expressão artística, não identificado com ela. Tudo certo, pois talvez seja mesmo o estado atônito e desconcertado produzido nas pessoas pelo mundo atual a principal força motriz da expressão destes artistas.

 

No entanto, justamente por isto, há espaço hoje para todas as formas de encarar a arte. E temos observado um novo fôlego por parte das artes, digamos, populares, na forma de uma revalorização da arte de rua, da ilustração, da gravura, da pintura. O que se tornou a arte contemporânea, de certo modo veio tirar grande peso dos ombros das formas mais convencionais (ou ancestrais) de expressão artística. E convenhamos que nãonada mais conveniente para a arte que a não-obrigatoriedade de ser ou de representar algo. A arte deve sim, ser interessada, mas a liberdade ganha não tem preço e é imensamente frutífera. A intenção pura e simples de expressão está sem dúvida na raiz da boa arte.

 

Nos últimos tempos, vemos surgir em Belo Horizonte alguns espaços que se posicionam num ponto onde até então não existia ninguém atuando. Estes espaços não poderiam ser classificados simplesmente como lojas, ou como galerias de arte, ou como ateliês, na concepção estrita que temos disto. Colocam-se para a cidade com o intuito de operar justamente na lacuna deixada pela rigidez destas configurações. Produzem e fomentam a produção artística e cultural, comercializam arte e produtos culturais, cada uma a seu modo particular, mas sem a afetação e esnobismo das galerias de “altas artes”, nem tampouco o desinteresse das lojas de decoração, onde se escolhe a peça pelo tom que mais combina com o sofá. Prezam também pela exclusividade, mas não a exclusividade ao estilo “Daslu”, fruto da inacessibilidade financeira imposta à maioria pelo valor do produto. Uma exclusividade de ponto de vista, de posicionamento, de identificação cultural, de liberdade criativa, de despretensão. Neste contexto se inserem, sem hierarquia de valor, as artes de rua, a fotografia, os objetos de desenho, o desenho em si, os brinquedos-arte, moda, música e estilo de vida. A Grampo Design, a Mini-Arte, o Coletivo MamaCadela e mais recentemente a Desvio, buscam operar justamente nestes limites, dispensando rótulos prontos. Surgidas de forma independente, procuram hoje estabelecer um modo mais livre de lidar com a arte, pura ou aplicada, tornando-a parte da vida cotidiana. Fazer por querer fazer, mostrar para que seja visto, vender para difundir, de forma simples e direta. Se você gosta de reclamar, continue na sua cantilena. Se você de fato não está interessado, é um direito seu. Mas se o que você deseja é ver as coisas acontecerem saiba que elas estão acontecendo. Venha participar, procure se informar, engrosse o coro, faça você mesmo.

 

Artigo publicado no jornal Hoje em Dia em 24 de fevereiro de 2008

 

 

 

 

2 Comentários»

  Bruno wrote @

Muito bom esse seu artigo, especialmente o início, sobre os reclamões de BH que não buscam aproveitar a cidade.

  Gustavo Fonseca wrote @

Ótimo texto.


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